Encontrar uma alternativa para solucionar o problema de centenas de pequenos carcinicultores de Sergipe que estão em situação irregular, de acordo com o novo Código Florestal. Esse foi o objetivo da audiência pública “Carcinicultura em Sergipe: regularização, desafios e perspectivas”, realizada na tarde desta quarta-feira, dia 11, no plenário da Assembleia Legislativa de Sergipe, numa iniciativa do deputado João Daniel (PT). As galerias e o plenário da Casa ficaram lotados. Pequenos produtores de vários municípios sergipanos, estudiosos do tema e pessoas ligadas a órgãos ambientais participaram das discussões em torno do tema.
De acordo com o deputado João Daniel, a grande maioria dos carcinicultores sergipanos é formada por pequenos criadores de camarão e, infelizmente, uma política das administrações dos governos anteriores à administração Marcelo Déda legalizou grandes empresas de camarão, enquanto os pequenos ficaram sem estar na legalidade. Ou seja, sem conseguir acessar projetos e sofrendo ameaças de terem seus viveiros desativados.
O parlamentar ressaltou que ao propor a realização da audiência pública para tratar sobre a atual e real situação dos pequenos carcinicultores queria criar um grupo, com o apoio do Estado, envolvendo os órgãos ambientais, no sentido de buscar uma solução que é a regularização e a legalização dessa atividade para os pequenos carcinicultores que trabalham com sua família e já estão na atividade há anos, décadas em alguns casos.
Segundo dados da Associação dos Maricultores Ecológicos de Sergipe (AMES), atualmente são mais de 600 maricultores familiares no Estado. Todos eles procurando uma forma para se regularizar, pois já exercem a atividade há mais de 20 anos e, por conta do novo Código Florestal, estão tendo dificuldade para se regularizar. “Há a alegação de que nós estamos trabalhando em área inadequada, em manguezal. Mas não tem como se provar isso”, disse.
Para o vice-presidente da AMES, Alexsandro Monteiro dos Santos, o objetivo principal da audiência realizada na Assembleia foi sensibilizar o governo do Estado e também fazer com que os órgãos de fiscalização entendam que não é a atividade deles que está agredindo o meio ambiente. “Essa é uma atividade como outra qualquer. O impacto que ela pode causar é o mesmo que outras atividades podem”, disse Monteiro
Sandro Monteiro explicou que os viveiros onde hoje esses maricultores cultivam o camarão já têm mais de 100 anos e foi usado em outras culturas, como do sal e peixes. “O mangue avançou sobre essas áreas de viveiros e nós, ao contrário do que pensam, ajudamos a proteger os mangues”, afirmou o vice-presidente da Associação dos Maricultores Ecológicos de Sergipe.
Para os produtores, a regularização dos pequenos carcinicultores poderia acontecer fechando as portas para que novos produtores instalassem seus viveiros, mas os que já estivessem na atividade permanecessem nela. No entendimento do assessor jurídico da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC), Marcelo Palma, isso é possível e, inclusive está previsto no novo Código Florestal.
Respaldo legal
Em sua explanação durante a audiência, ele revelou que a carcinicultura ganhou um capítulo no Código Florestal. Palma observou que nele o Código estabeleceu que quem estava desenvolvendo suas atividades até 28 de julho de 2008 em áreas de preservação poderiam continuar. “Essas áreas hoje são chamadas de áreas consolidadas, conforme dia o artigo 61 do Código Florestal. Então quem já estava antes de julho de 2008 deveria permanecer e quem chegou após essa data não poderia ficar”, explicou.
Para Marcelo Palma, existe um medida jurídica chamada suspensão de liminar, que só pode ser ajuizada pelo poder público, e seria interessante que o governo do Estado, que teria aí um papel importante para buscar uma solução para essa questão, fizesse isso, como outros governos estaduais já fizeram e tiveram sucesso para garantir sua autonomia, pedindo um prazo maior para que o órgão estadual de meio ambiente, responsável pelo licenciamento desses empreendimentos, tivesse mais tempo para fazer a análise de cada caso.
No entendimento do advogado, o prazo estabelecido na liminar da Justiça, que concedeu 120 dias para que a Adema fizesse esse trabalho não é suficiente para que o órgão possa analisar caso a caso a situação de cada fazenda. Mesmo com a prorrogação do prazo por mais 60 dias ele avaliou como impossível fazer essa análise detalhada.
Durante a audiência pública, o consultor da ABCC, Gitonilson Tosta, fez uma exposição sobre os aspectos e o panorama da carcinicultura no mundo e no Brasil, mostrando que no país as condições são possíveis para esse tipo de atividade econômica. Ele ressaltou também a importância para a economia no geral dessa atividade, destacando que atualmente o Brasil está na 8ª posição mundial de cultivo de camarão.
PossibilidadeA engenheira de pesca, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Aquicultura & Sustentabilidade da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e estudiosa da carcinicultura, Juliana Shouber Gonçalves Lima, foi uma das palestrantes da audiência. Na oportunidade, ela falou sobre o trabalho e os diferentes tipos de carcinicultura existentes – a de terras altas, em que os viveiros não são abastecidos pela força da maré, e os de terras baixas, que são os que estão em áreas de preservação permanente. Em sua exposição, a professora doutora mostrou o exemplo do que é feito pelos carcinicultores de São Cristóvão, de que é possível, com os cuidados adequados, a atividade nessas áreas de manguezais, áreas, inclusive, em que em outros tempos foi viveiros para outras atividades, como salinas e criação de peixe.
Um dos convidados para a audiência pública foi o promotor de Justiça Sandro Luiz da Costa, que atualmente atua na Promotoria do Meio Ambiente em Nossa Senhora do Socorro, município que abriga 90% dos pequenos carcinicultores do Estado, principalmente à margem do Rio do Sal. Embora não estivesse no evento como representante do Ministério Público estadual, pois hoje não tem mais atuação jurídica nessa questão, ele lembrou que Sergipe foi o último Estado do Nordeste a ingressar com ação judicial nesse sentido, porque o poder público não se interessou em buscar solução para esses carcinicultores.
O promotor observou que embora esses pequenos carcinicultores estejam irregulares, pois não têm licença ambiental e há o obstáculo para isso por estarem em área de preservação permanente, por outro lado tem que ser vista também a parte social, uma preocupação com a repercussão social disso. Sandro Luiz destacou a importância da audiência pública para tratar desse tema com a presença dos mais interessados nele, estudiosos e o poder público, pois reabre a discussão. “E vamos ver se há um interesse do Estado como ente de ingressar nessa discussão e procurar uma solução que impacte menos pequenos carcinicultores que estavam de boa fé e o meio ambiente”, disse.
Cumprindo a lei
A representante da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema), órgão licenciador, Rogéria Araújo, explicou como se dá todo processo de licenciamento dos carcinicultores e por que os que trabalham nas áreas altas já foram licenciados, pois cumpriram o que a legislação pede para isso. No entanto, ela esclareceu que no caso dos viveiros em áreas baixas o licenciamento esbarra na lei. Ela reconheceu que o prazo de 120 dias dado pela Justiça para que a Adema fizesse a análise da situação dos carcinicultores era curto e embora o órgão tenha iniciado uma força tarefa no mês de agosto não foi possível cobrir sequer a região de Socorro, quanto mais todo Estado.
Rogéria também explicou como o trabalho vem sendo feito pelos técnicos da Adema na visita às propriedades, observando as condições do cultivo de camarão e se está havendo agressão ao meio ambiente. Ela informou que a maioria das localizadas em socorro está agredindo o manguezal, pois está dentro dele e, por conta disso, em alguns casos não está nem sendo dado prazo para regularização, mas estão sendo embargados de imediato. “Isso gerou um problema social muito grande, por que como é que vai resolver isso? O órgão ambiental fica numa situação difícil, porque tem que cumprir a lei”, disse.
Trabalho digno
O representante dos pequenos carcinicultores se emocionou ao discursar na tribuna da Assembleia, observando que eles são pessoas honestas, que não se consideram agressores ou assassinos do meio ambiente, mas que precisam ser vistos como trabalhadores que estão buscando através de todos os meios mostrar a importância dessa atividade econômica que garante o sustento de milhares de famílias. “A gente precisa sensibilizar e marcar essa audiência com o governador. A professora da universidade mostrou, o advogado mostrou que isso é possível. Só quero que isso chegue ao conhecimento do governador, assim como está chegando ao deputado João Daniel que está ajudando a causa, e que as pessoas possam viver dignamente, as pessoas possam comer camarão”, disse, ao relembrar que antigamente o crustáceo era um alimento para poucos, mas a carcinicultura ajudou a torná-lo acessível a um maior número de pessoas.
A estimativa é que a pequena carcinicultura em Sergipe envolva mais de seis mil famílias, direta ou indiretamente, desde a produção até a venda. Por mês, a produção, segundo dados da Associação dos Maricultores, chega a 300 toneladas de camarão, que é responsável por abastecer o mercado interno, nos bares, restaurantes, feiras livres e mercados municipais. Embora haja viveiros em todo Estado, a produção está mais concentrada nos municípios de Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão, Pacatuba, Brejo Grande, Estância, Indiaroba e Santa Luzia do Itanhy. Caso a atividade viesse a ser proibida, pela falta de regularização, o prejuízo seria inestimável, avaliou o vice-presidente da AMES.
Relatório ao governador
O presidente da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), Jeferson Feitosa, representou o governador Jackson Barreto na audiência pública e parabenizou o deputado João Daniel por oferecer a oportunidade de se discutir sobre uma atividade pequena, mas tão importante para o Estado. Ele se comprometeu a apresentar um relatório com tudo que foi discutido na oportunidade e também a intermediar, juntamente com o deputado, uma audiência entre o governador e os carcinicultores.
“Quem conhece Jackson Barreto sabe que o governador vai procurar encontrar uma solução para isso. Tenho certeza que o governador vai chamar inclusive a Adema, Semarh, Ministério da Pesca, os órgãos de pesquisa para oferecer alguns pontos de solução”, disse, ao agradecer que a participação na audiência. Jeferson Feitosa solicitou ao assessor jurídico da ABCC cópia da ação que foi impetrada por outros estados para que o governo de Sergipe possa ver o que pode ser feito nesse sentido.
Também participaram da audiência pública representantes de várias Prefeituras, Câmara de Vereadores, Superintendência de Patrimônio da União (SPU) e Superintendência da Pesca em Sergipe. Após as explanações, o debate foi aberto para a participação do público que estava no plenário e nas galerias, para que fizesse questionamentos e tirasse dúvidas.
POR: Edjane Oliveira