Os Manguezais, os Caranguejos, o Cultivo de Camarões no Nordeste e a reportagem da Revista Veja
Que a Revista Veja assuma posições políticas, ideológicas e de ética informativa é um direito que lhe assiste e seus leitores aplaudem. O posicionamento da Revista contra a corrupção em órgãos públicos, por exemplo, com sólidos argumentos e evidências bem fundamentadas, teve repercussão nacional e levou à demissão de algumas autoridades oficiais envolvidas. Nesse contexto, a Revista ganha credibilidade com todos os méritos para os seus dirigentes e comentaristas. O leitor tem bom faro e sente quando a publicação assume uma posição afirmativa para o bem comum e seus jornalistas trabalham com a verdade ou dela se aproximam.
Entretanto, esse posicionamento de buscar evidências para formar opinião e, a partir daí, informar à sociedade, parece não prevalecer para a Revista quando o assunto sai da raia da corrupção pública e entra em outros campos mais polêmicos, como são na atualidade os temas relacionados com o meio ambiente. São conceitos que podem dividir opiniões e, portanto, mais do que outros, demandam cuidados especiais no seu tratamento informativo para que a mensagem dirigida pela Revista à sociedade seja composta no contexto, de verdades e fatos que contribuam para a formação de opiniões, com o objetivo de servir o bem comum.
As questões ambientais, hoje mais do que nunca, repercutem em toda a sociedade e não podem nem devem ser tratadas com viés ideológico e muito menos com inverdades e leviandades. Requerem, necessariamente, um tratamento sob o prisma da ciência, por mais superficial que seja. A informação da reportagem da edição de 14 do presente mês de Março “Ameaça ao Berçário”, que se refere aos manguezais do Brasil, é maldosa, caluniosa e chega a se aproximar da irresponsabilidade pelas adulterações e inverdades em relação ao Código Florestal e à carcinicultura no Nordeste. As deformações da verdade contidas no texto são de tal ordem que deixam a nítida impressão de que estão sendo usadas, conscientemente, com o propósito de causar impacto no leitor. Ou seja, a Revista admite o uso da mentira para que a reportagem tenha repercussão no meio social.
Dizer, por exemplo, que o Código Florestal, em tramitação na Câmara Federal, autoriza o uso do manguezal para atividades aquícolas e que, com isso, contribuirá para a destruição desse bioma, é uma grande mentira. Basta que o leitor leia a documentação disponível no Projeto de Lei em discussão. Ao contrário, o texto do Poder Legislativo reforça a proteção do manguezal e sim autoriza com limitações, a utilização dos apicuns e salgados para o cultivo de camarões e a produção de sal, atividades típicas da Região Nordeste. Por outro lado, os apicuns e salgados são biomas distintos dos manguezais, com salinidades no mínimo de 4 a 5 vezes mais elevadas que da água do mar, o que os tornam estéreis e sem vegetação arbustiva, não sendo a “panacéia” referenciada pela esquerda ambientalista, ouvida pelo repórter da Veja.
Afirmar que os produtores de camarão do Nordeste usam pesticidas e antibióticos é distorção absoluta da verdade. É pretender difamar gratuita e publicamente uma atividade que gera emprego e renda, cuja participação do micro e pequeno produtor é majoritária, representando uma real contribuição para a inclusão social no meio rural dessa Região. Nesse sentido, diferentemente da agricultura, a carcinicultura no Brasil não usa nem nunca utilizou pesticidas. Tampouco tem como usá-los, uma vez que o camarão possui o organismo bastante semelhante aos dos insetos, sendo, portanto, extremamente sensíveis a tais produtos. Além disso, o uso de antibióticos para atividade de criação de camarões é proibido no Brasil.
Por outro lado, a informação de que a carcinicultura afeta negativamente a qualidade da água adjacente, é desmentida pela tese de Pós-Doutorado do Analista Ambiental do IBAMA Dr. Raul Madrid, que aponta que as águas drenadas pelas fazendas de camarão do Estado do Ceará são estatisticamente melhores que as águas de captação com relação a coliformes totais e fecais. Nesse mesmo sentido, a tese de Doutorado do Engenheiro Químico Lourinaldo Cavalcante, pesquisador do IPA/PE aponta que as concentrações de amônia e nitritos, avaliadas por um período de 01 ano em uma fazenda de camarão no estuário do Rio Paraíba/PB, foram reduzidos em 91,69% e 95,71%, quando comparadas as águas de captação e drenagem, respectivamente.
Com relação ao abandono dos viveiros após 10 anos de utilização, seria pertinente que a Veja mostrasse onde estes estão, uma vez que as primeiras fazendas instaladas no Brasil têm cerca de 30 anos de existência, sempre funcionando nas mesmas áreas e já tendo, grande parte destes empreendimentos, aumentado de tamanho desde então, além de apresentar níveis de produtividade bem superiores aos iniciais.
Por outro lado, com base na vasta literatura científica disponível, podemos afirmar que a questão abordada pela fonte acadêmica citada pela reportagem da Revista Veja, no sentido de que os apicuns e salgados são áreas indispensáveis para a manutenção do ciclo alimentar e de vida do caranguejo Uçá, além de ser tecnicamente questionável, não encontra amparo nos estudos técnico-científicos realizados no Brasil e no Mundo.
Se a Revista Veja está realmente interessada na verdade sobre a situação dos manguezais do Nordeste e sua relação com o cultivo de camarões, que consulte o estudo acadêmico da Universidade Federal do Ceará, realizado em parceria com a ISME – Sociedade Internacional para Ecossistemas de Manguezal, que analisando a evolução da cobertura de manguezais dos estados que respondem por 90% da produção de camarão cultivado do Brasil: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, no período de 1978 a 2004 (antes e depois do advento de maior crescimento da carcinicultura) identificou que no mencionado período, as áreas de mangue correspondentes cresceram 36,1%.
De forma idêntica, o Projeto de Mestrado do Professor Adam Zitello, da Universidade de Utah, dos Estados Unidos, que analisou o impacto da carcinicultura no Nordeste do Brasil, concluiu que essa atividade não é responsável pela remoção dos manguezais da Região. A tese do Prof. Adam afirma, inclusive, que para sua surpresa, “as florestas de mangue do Nordeste do Brasil exibem uma estabilidade sem precedentes, numa região em que crescem os viveiros de camarão”.
Os argumentos respaldados em textos científicos estão muito mais próximos da verdade. A ciência revela a realidade para o ser humano e deve ser sempre usada quando sua luz se faz necessária e quando a comunicação está dirigida à sociedade.
(Os estudos e trabalhos técnico-científicos acima mencionados estão disponíveis na íntegra, no site
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Itamar de Paiva Rocha, Engenheiro de Pesca, CREA 7226 – D
Presidente da Associação Brasileira de Criadores de Camarão – ABCC
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