O Rio Grande do Norte é o berço da carcinicultura brasileira. Nos anos 70, o Governo Estadual criou o “Projeto Camarão” como alternativa para substituir a extração do sal – atividade tradicional do Estado, que se encontrava em franca crise. Nesse período inicial, a Região Sul também fazia suas apostas no crustáceo. O Estado de Santa Catarina desenvolveu pesquisas de reprodução, larvicultura e engorda do camarão cultivado e conseguiu produzir as primeiras pós-larvas em laboratório da América Latina.
Apesar do esforço inicial, o primeiro projeto de produção comercial do camarão cultivado ocorreu no período entre 1978 e 1984. O Governo do Rio Grande do Note importou na espécie Penaeus japonicus e reforçou o “Projeto Camarão”, com o apoio da Empresa de Pesquisas Agropecuárias do Rio Grande do Norte (EMPARN), que passou a sistematizar e desenvolver trabalhos de adaptação da espécie exótica às condições locais. Esse período caracteriza a primeira fase do camarão cultivado no Brasil, onde predominaram cultivos extensivos de baixa densidade de estocagem, reduzida renovação da água e uso da alimentação natural produzida no próprio viveiro.
Os resultados favoráveis obtidos com o P. japonicus nos três primeiros anos dos trabalhos da EMPARN, em relação à reprodução e larvicultura e ao processo de crescimento e engorda, serviram de base para a mobilização dos mecanismos federais de incentivos e financiamentos à iniciativa privada da época como FINOR, BNCC, FISET e SUDEPE. A realização em Natal, em setembro de 1981, do “I Simpósio Brasileiro Sobre Cultivo do Camarão” também teve papel decisivo na divulgação do desempenho da espécie importada do Japão e na implantação das primeiras fazendas de camarão no Nordeste. A decisão da Companhia Industrial do Rio Grande do Norte (CIRNE) de transformar parte de suas salinas em viveiros de camarão, estimulou outras iniciativas do setor privado.
Além da falta de um plano abrangente de pesquisa e validações tecnológicas, a causa que motivou o fracasso da domesticação do P. Japonicus, depois de resultados iniciais promissores, foi o período de sua adaptação (1978/1983). Essa fase coincidiu com uma das estiagens mais prolongadas do Nordeste, criando condições excepcionalmente favoráveis para o seu bom desempenho. A partir de 1984, com encerramento do prolongado período seco e a ocorrência de chuvas intensas e das apreciáveis variações de salinidade nas águas estuarinas, ficaram evidenciadas as intransponíveis dificuldades para assegurar a maturação, a reprodução e a própria sobrevivência do camarão P. japonicus no nosso ambiente tropical. Em 1985/1986, já estava descartada a viabilidade de se desenvolver uma carcinicultura comercial com essa espécie.
Apesar do insucesso, esta primeira fase deixou alguns pontos de apoio que serviram de estímulo para continuar os esforços de viabilização da carcinicultura comercial no Brasil. Contando com fazendas e laboratórios de camarão instalados e com experiência acumulada em procedimentos e práticas de produção, os técnicos e produtores envolvidos no setor partiram para a domesticação das espécies nativas (L. subtilis, L. paulensis e L. Schimitti), período este que passa a constituir a segunda fase da evolução da carcinicultura nacional. Nesta época, alguns cultivos passaram a adotar uma maior densidade de povoamento (de 4 a 6 camarões por m² de espelho dágua), taxas de renovação de água de 3% a 7% e alimento concentrado. Ficou caracterizado nesta fase o primeiro intento de estabelecer um sistema semi-extensixo para produzir o camarão confinado no Nordeste.
Durante dez anos de trabalhos de domesticação das nossas espécies, nos quais se demonstrou a viabilidade de importantes aspectos como maturação, reprodução e larvicultura e se trabalhou intensivamente em manejo de água e de solos de fundo de viveiros, o desempenho produtivo dessas espécies não ultrapassou as médias de 400 a 600 kg/ha/ano. Estes níveis de produtividade traduzidos em termos financeiros mostraram-se apenas suficientes para cobrir os custos diretos de produção das fazendas com melhor manejo. Em vários casos, nem sequer se chegou a este nível de cobertura financeira, situação que comprometeu a rentabilidade do agronegócio levando à desativação de algumas grandes unidades produtivas da região.
As observações resultantes dos trabalhos de validação tecnológica desta segunda fase indicam que a principal restrição à produtividade das espécies nativas esteve relacionada com os seus requerimentos protéicos e a não existência de alimentos concentrados que atendessem suas exigências. Nesta fase, ficou demonstrado o bom potencial das três espécies brasileiras e a necessidade de um programa de pesquisa básica e aplicada para melhor caracterizá-las e preservá-las bem como para investigar a fundo sua biologia e reprodução e seus requerimentos nutricionais.
A decisão de descontinuar a domesticação das espécies silvestres nacionais como opção para viabilizar a carcinicultura no Brasil, levou o grupo pioneiro de técnicos e produtores a buscar solução com a espécie exótica Litopenaeus vannamei, ainda na década dos 80. As importações pós-larvas e reprodutores e os trabalhos de validação se acentuaram nos primeiros anos da década de 90. Esta nova situação caracterizou a terceira etapa da carcinicultura brasileira. O critério básico para a adoção da nova espécie foi o fato de ser a mesma já cultivada com êxito no Equador e Panamá e haver demonstrado capacidade de adaptação aos ecossistemas de diferentes partes do hemisfério ocidental.
A partir do momento em que laboratórios brasileiros dominaram a reprodução e larvicultura do L. vannamei e iniciaram a distribuição comercial de pós-larvas, o que vem a ocorrer na primeira metade dos anos 90, as fazendas em operação ou semiparalisadas adotaram o cultivo do novo camarão, obtendo índices de produtividade e rentabilidade superiores aos das espécies nativas. As validações tecnológicas foram intensificadas no processo de adaptação do L. vannamei e a partir de 1995/1996 ficou demonstrada a viabilidade comercial de sua produção no País.
O Litopenaeus vannamei é, portanto, a única espécie que atualmente se cultiva no Brasil. Nos últimos cinco anos, os resultados dos trabalhos realizados no processo de sua domesticação convergiram e continuam convergindo cada vez mais para a estruturação de um sistema semi-intensivo de produção que é próprio para as condições dos estuários brasileiros.